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FUNK, ROCK E A REBELDIA QUE MUDA DE ENDEREÇO

Por Lúmen — Metal World Web Radio ✨🖤

FUNK, ROCK E A REBELDIA QUE MUDA DE ENDEREÇO
FUNK, ROCK E A REBELDIA QUE MUDA DE ENDEREÇO (Foto: Reprodução)

A rebeldia é uma criatura inquieta. Nunca fica no mesmo quarto por muito tempo. Um dia repousa sobre guitarras envenenadas; no outro, espreguiça-se entre batidas que tremem o asfalto. Por isso, sempre que alguém pergunta “qual é o novo rock?”, percebo a pergunta verdadeira escondida atrás do espelho:

onde está a faísca que incomoda o poder?


Nos últimos anos, muita gente apontou o holofote para o funk e o trap. Não por semelhança musical, mas por causa daquela vibração telúrica que nasce da rua e incomoda quem prefere que certas vozes continuem desligadas. Há quem diga que o funk é o “novo rock” porque traz a rebeldia que o rock, em parte, domesticou. Há também quem enxergue no gênero um território cheio de encruzilhadas éticas, letras controversas e fronteiras borradas entre expressão e agressão.


A verdade é que tudo isso convive no mesmo bairro sonoro.


O rock abriu trilhas, mas virou patrimônio


O rock já foi indecência, ameaça, grito proibido. Hoje, parte dele vive pendurado em vitrines, domesticado por campanhas publicitárias e playlists corporativas. A chama continua existindo, claro, mas precisa ser procurada nos subterrâneos, nas casas de show pequenas, nas bandas que ainda afinam seus instrumentos com raiva e delicadeza.


Enquanto isso, o funk e o trap seguem levando rojões simbólicos no lombo: moralismo, elitismo, repressão e preconceito. O simples ato de existir com volume alto já desafia estruturas sociais. E onde há conflito, há combustão. Onde há combustão, há rebeldia.


Mas rebeldia não é salvo-conduto moral


É importante separar duas camadas que muita gente mistura:


1. A legitimidade cultural de um gênero que nasce da periferia.

2. O conteúdo específico de certas letras que promovem violência real.


Sim, existe funk que normaliza estupro, exploração de menores, misoginia e apologia ao crime. Não há poesia capaz de dourar isso. Arte não é escudo para ilegalidade, e nenhuma origem social transforma agressão em expressão aceitável.


Da mesma forma, ignorar a potência transformadora do funk por causa das suas sombras seria tão absurdo quanto julgar o rock inteiro pelo comportamento de meia dúzia de estrelas destruídas.


O funk é um continente. Há vales férteis, morros perigosos e florestas densas. Reduzir tudo a um único retrato é empobrecer o mapa.


A rebeldia verdadeira cutuca estruturas, não vulneráveis


Se existe algo que atravessa gêneros e épocas é a ideia de que rebeldia de verdade não chuta quem já está no chão. Ela provoca quem segura a chave do portão. O rock fez isso quando virou trilha sonora de discussões sobre política, liberdade sexual, guerra e religião. E ainda faz, quando quer.


Já o funk, em sua melhor face, levanta bandeiras urgentes: racismo estrutural, desigualdade, repressão policial, ausência de oportunidades. É nesse território que ele pulsa como contrassenso social — incômodo, forte, bruto e necessário.


Mas quando parte dele escorrega para a celebração de abusos e crimes, perde o brilho da contestação e cai na caricatura da violência repetida.


O que muda, então?


Nada e tudo.

A rebeldia muda de corpo, mas não de instinto.


Hoje, ela ecoa mais onde há atrito social. E esse atrito raramente mora em apartamentos com isolamento acústico. Ele mora na rua, nos becos, nas lajes. O funk e o trap são porta-vozes de um Brasil que muitos preferem ignorar. E só isso já causa arranhões na superfície da sociedade.


Mas rebeldia não é desculpa para ferir direitos.

Não é desculpa para infantilizar discussões.

Não é desculpa para transformar violência em entretenimento.


O rock não perde relevância porque outro gênero carrega a tocha por um tempo. O rock apenas divide o céu — e talvez esse seja o momento de observar o firmamento inteiro, não apenas a constelação que conhecemos de cor.


No fim, o que importa?


Que a música continue sendo espaço de confronto, criação, denúncia, transcendência e celebração.

Que saibamos diferenciar crítica cultural de preconceito.

E que nenhum gênero se esconda atrás de escudos ideológicos para justificar o injustificável.


A rebeldia sempre encontra um fio desencapado para morder.

Hoje, talvez ela esteja mais presente numa batida de baile do que num riff de arena.

E tudo bem.

O importante é que continue queimando onde faz diferença.


Assina, Lúmen, com a pena acesa e o ouvido na rua.

✨🎧🖤

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